segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A MESA - Carlos Drummond de Andrade-Obra/Poema comentário de Ozório Couto dia 20-10-2015, 15h. BH-MG-.Acróstico-informativo nº 6057 Por Silvia Araújo Motta/BH/MG/Brasil -


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http://academiadeletrasdobrasildeminasgerais.blogspot.com.br/2015/10/a-mesa-carlos-drummond-de-andrade.html



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6057-GRANDE JANTAR MINEIRO À MESA DRUMMONDIANA
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Acróstico-informativo nº 6057
Por Silvia Araújo Motta/BH/MG/Brasil
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G-Grandioso Carlos Drummond de Andrade
R-Reúne parentes vivos e mortos e fala
A-A seu pai já falecido, na realidade,
N-Na fusão entre o presente e o passado
D-Descreve como seria um grande jantar,
E-Em hipótese, para festejar certa data.
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J-Joga o monólogo discursivo familiar
A-Ao redor de uma enorme, MESA
N-Num só tempo e no espaço do lar,
T-Traduzindo a ausência e a presença,
A-A ambiguidade do aqui e do agora,
R-Resgatando a conotação do desejo;
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M-Membros da família são lembrados;
I-Informações sobre os que se foram,
N-Nome de uma irmã, a Rosa-Amélia
E-E a localização dos assentos...emoções:
I-Irmão mais velho retrato do pai sem ser ele,
R-Recordando outro filho, o bacharel da família...
O-O poeta coloca-se no canto da mesa!
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À-Ao lado, o [estoico rebelde] seco, lhano,
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M-Mel que transcende a raiva e a ama;
E-Enfim a irmã silenciosa, bem infeliz.
S-São 14 no total, mas 8, os natimortos!
A-A homenagem, nada diz de euforia:
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D-Da contradição no ambiente do jantar
R-Recordação, ausências, frustração,
U-Um silêncio, envelhecimento e morte.
M-Mesa é aglutinadora de todos os 
M-Membros, onde há comida e bebida;
O-O âmbito do continente e confessionário,
N-Na exposição abundante, a comunicação
D-Decodifica afeto e satisfação oral;
I-Inibição traz: impasse à difícil revelação
A-Ao diálogo entre a paz e os filhos.
N-Na farta mesa, não importa quantos...
A-A procissão dos netos, bisnetos e parentes
---Tornam "a MESA  maior do que a casa".---
---"Mãe é capaz de fazer prodígios"---
---"A mesa só pode estar acima de nós."---
---Claro enigma e verdadeiro:
a festa do afeto (o filho)
é de um só (o pai)
ou de dois ( o pai e a mãe.)
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Belo Horizonte, 20 de outubro de 2015
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http://www.recantodasletras.com.br/acrosticos/5422536

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OZóRIO JOSÉ ARAÚJO COUTO

Aniversário: Treze de Maio

Acróstico Histórico-Biográfico nº 0097
Por Sílvia Araújo Motta

O-O filho de LUZ, poeta mineiro
Z-Zeloso na ação.No lar Carolina:
O-O afago materno é sempre o primeiro.
R-Realizador: Troféus-Homenagens.
I -“Imagens” nas obras e “Enquanto Ser”,
O-O “Amor Gerais” trazem mensagens.

J-Jovem escritor, um bom jornalista
O-Os jornais abrem-lhe o espaço.
S-Sentimento humanista e altruísta
E-Espera e alcança, seus dons reconheço.

A-Amigo leal, o meu confidente
R-Respira esperança, a fé e alegria.
A-Arcade eleito, na Arcádia de Minas.
U-Uma inspiração, das emoções, na vida,
J-Já publicada:”Algumas Estrelas Perdidas”.
O-Ostenta Medalhas, Condecorações.

C-Com “Um Hino à Nação: Drummond”, exaltou
O-Os ”Dois Poetas e um Centenário”
U-Um, “Emílio Moura  e o outro Drummond”
T -Trouxeram sucesso extraordinário.
O-Onde estiver amigo, conte sempre comigo!

Belo Horizonte, 23 de fevereiro de 2003

Ocupa  a Cadeira 4
na Arcádia de Minas Gerais.
 Patrono: Carlos Drummond de Andrade.

Palestra: 8-Nov-2000.

Primeiro Patrono da Cadeira 4
na Arcádia de Minas Gerais:
Padre José Joaquim CORREIA DE ALMEIDA

Ocupada por:Maria Aparecida Dayrell.
Posse e Panegírico: 5-Ago-1992.Ver Ata 5
Silvia Araujo Motta
Enviado por Silvia Araujo Motta em 22/11/2005

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CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
 *1902
+ 1987

Acróstico Histórico-Biográfico nº 0002
Por Sílvia Araújo Motta

C_Criança prodígio na Escola Carvalho de Brito.
A_Adolescente em Belo Horizonte: Colégio Arnaldo.
R_Rio: Colégio Anchieta.Farmacêutico, soa o grito
L_Libertário Profissional. No Brasil deixou saldo:
O_O Prof. de Português, da Secretaria do Interior,
S_Suas publicações, Jornais e literatura: confronto.

D_Depois do único soneto escrito com decepção,
R_Reprovado pelos amigos, vislumbra o futuro.
U_Uma repulsa pela conservadora metrificação:
M_“Motivado pela preguiça ou motivo obscuro,
M_Modernista, derivei, por simples convicção.”
O_Os sucessos literários foram para os contos,
N_Narrações poéticas originais, artigos de críticas,
D_Dando opção aos versos livres, seus encantos.

D_De Itabira do Mato Dentro, filho de fazendeiros,
E_Expressa o Modernismo, revelação dos Mineiros.

A _A tendência artesanal, renova as possibilidades.
N_No famoso Jornal Falado, foi bem acolhido.
D_Decerto, “Teia de Aranha”, pela livraria extraviado!
R_Redigiu “25 Poemas da Triste Alegria”. Inédito!
A _A “Obra Completa, em Prosa e Verso”  inspira
D_Diversos cantores, cineastas, críticos teatrais.
E_Em seiscentos artigos -“Poesia em Conceitos”.

Patrono na Arcádia de Minas Gerais
Cadeira 5 ocupada pelo Poeta
Árcade Ozório Couto.

Belo Horizonte, 31 de outubro de 2002

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1928-TROVADOR CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE- (Parte 17)-Entrevistada: Sílvia Araújo Motta

J.Cultural:Drummond  escreveu Trovas?
Sim. Drummond foi excelente Trovador:

“Solidão não te mereço,
pois que te consumo em vão.
Sabendo-te, embora, o preço,
calco teu ouro no chão”

“Piloto que dás teu giro
montado em peixe de prata,
carrega este meu suspiro
e leva a quem me maltrata!”

“O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada:
amor é o sumo da vida.”

http://www.recantodasletras.com.br/autores/silviaraujomotta
http://clubedalinguaport.blogspot.com/
http://www.poetasdelmundo.com/verInfo_america.asp?ID=1481

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A MESA


08/06/2010
 às 20:52 \ Feira Livre

Um grande poema do imenso Carlos Drummond de Andrade


Em homenagem aos novos inconfidentes mineiros, todos titulares do timaço de comentaristas, a barraca de versos da Feira Livre publica um dos poemas preferidos do colunista:
http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/feira-livre/um-grande-poema-do-imenso-carlos-drummond-de-andrade/


A Mesa, 
Carlos Drummond de Andrade,

E não gostavas de festa. . .
Ó velho, que festa grande
hoje te faria a gente.
E teus filhos que não bebem
e o que gosta de beber,
em torno da mesa larga,
largavam as tristes dietas,
esqueciam seus fricotes,
e tudo era farra honesta
acabando em confidência.


Aí, velho, ouvirias coisas
de arrepiar teus noventa.
E daí, não te assustávamos,
porque, com riso na boca,
e a média galinha, o vinho
português de boa pinta,
e mais o que alguém faria
de mil coisas naturais
e fartamente poria
em mil terrinas da China,
já logo, te insinuávamos
que era tudo brincadeira.


Pois sim. Teu olho cansado,
mas afeito a ler no campo
uma lonjura de léguas,
e na lonjura uma rês
perdida no azul, azul,
entrava-nos alma adentro
e via essa lama podre
e com pesar nos fitava
e com ira amaldiçoava
e com doçura perdoava
(perdoar é rito de pais,
quando não seja de amantes).


E, pois, tudo nos perdoando,
por dentro te regalavas
de ter filhos assim. . . Puxa,
grandessíssimos safados,
me saíram bem melhor
que as encomendas. De resto,
filho de peixe. . . Calavas,
com agudo sobrecenho

{duas sobrancelhas fechadas}
interrogavas em ti...


Uma lembrança saudosa
e não de todo remota
e rindo por dentro e vendo
que lançaras uma ponte
dos passos loucos do avô
à incontinência dos netos,
sabendo que toda carne
aspira à degradação,
mas numa via de fogo
e sob um arco sexual,
tossias. Hem! Nem, meninos,
não sejam bobos. Meninos?


Uns marmanjos cinquentões,
calvos, vividos, usados,
mas resguardando no peito
essa alvura de garoto,
essa fuga para o mato,
essa gula defendida
e o desejo muito simples
de pedir à mãe que cosa,
mais do que nossa camisa,
nossa alma frouxa, rasgada. . .

Aí, grande jantar mineiro
que seria esse. . . Comíamos,
e comer abria fome,
e comida era pretexto.
E nem mesmo precisávamos
ter apetite, que as coisas
deixavam-se espostejar,
e amanhã é que eram elas.
Nunca desdenhe o tutu.
Vá lá, mais um torresminho.


E quanto ao peru? Farofa
há de ser acompanhada
de uma boa cachacinha,
não desfazendo em cerveja,
essa grande camarada.

Ind’outro dia. . . Comer
guarda tamanha importância
que só o prato revele
o melhor, o mais humano
dos seres em sua treva?


Beber é pois tão sagrado
que só bebido meu mano
me desata seu queixume,
abrindo-me sua palma?
Sorver, papar: que comida
mais cheirosa, mais profunda
no seu tronco luso-árabe,

e que bebida mais santa
que a todos nos une em um
tal centímano glutão,
parlapatão e bonzão!


E nem falta a irmã que foi
mais cedo que os outros e era
rosa de nome e nascera
em dia tal como o de hoje
para enfeitar tua data.
Seu nome sabe a camélia,
e sendo uma rosa-amélia,
flor muito mais delicada
que qualquer das rosas-rosa,
viveu bem mais do que o nome,
porém no íntimo claustrava
a rosa esparsa. A teu lado,
vê: recobrou-se-lhe o viço.


Aqui sentou-se o mais velho.
Tipo do manso, do sonso,
não servia para padre,
amava casos bandalhos;

{despudorado...desavergonhado}
depois o tempo fez dele
o que faz de qualquer um;
e à medida que envelhece,
vai estranhamente sendo
retrato teu sem ser tu,
de sorte que se o diviso
de repente, sem anúncio,
és tu que me reapareces
noutro velho de sessenta.


Este outro aqui é doutor,
o bacharel da família,
mas suas letras mais doutas
são as escritas no sangue,
ou sobre a casca das árvores.
Sabe o nome da florzinha
e não esquece o da fruta
mais rara que se prepara
num casamento genético,
Mora nele a nostalgia,
citadino, do ar agreste,
e, camponês, do letrado.
Então vira patriarca.

Mais adiante vês aquele
que de ti herdou a, dura
vontade, o duro estoicismo.
Mas, não quis te repetir.
Achou não valer a pena
reproduzir sobre a terra
o que a terra engolirá.
Amou. E ama. E amará.
Só não quer que seu amor
seja uma prisão de dois,
um contrato, entre bocejos
e quatro pés de chinelo.


Feroz a um breve contato,
à segunda vista, seco,
à terceira vista, lhano,
dir-se-ia que ele tem medo
de ser, fatalmente, humano.
Dir-se-ia que ele tem raiva,
mas que mel transcende a raiva,
e que sábios, ardilosos
recursos de se enganar
quanto a si mesmo: exercita
uma força que não sabe
chamar-se, apenas, bondade.


Esta calou-se. Não quis
manter com palavras novas
o colóquio subterrâneo
que num sussurro percorre
a gente mais desatada.
Calou-se, não te aborreças,
Se tanto assim a querias,
algo nela ainda te quer,
à maneira atravessada
que é própria de nosso jeito.
(Não ser feliz tudo explica.)
Bem sei como são penosos
esses lances de família,
e discutir neste instante
seria matar a festa,
matando-te — não se morre
uma só vez, nem de vez.


Restam sempre muitas vidas
para serem consumidas
na razão dos desencontros
de nosso sangue nos corpos
por onde vai dividido.

Ficam sempre muitas mortes
para serem longamente
reencarnadas noutro morto.

Mas estamos todos vivos.
E mais que vivos, alegres.


Estamos todos como éramos
antes de ser, e ninguém
dirá que ficou faltando
algum dos teus. Por exemplo:
ali no canto da mesa,
não por humilde, talvez
por ser o rei dos vaidosos
e se pelar por incômodas
posições de tipo gaúche,
ali me vês tu. Que tal?
Fica tranquilo: trabalho.


Afinal, a boa vida
ficou apenas: a vida
(e nem era assim tão boa
e nem se fez muito má).
Pois ele sou eu. Repara:
tenho todos os defeitos
que não farejei em ti
e nem os tenho que tinhas,
quanto mais as qualidades.
Não importa: sou teu filho
com ser uma negativa
maneira de te afirmar.
Lá que brigamos, brigamos,
opa! E que não foi brinquedo,
mas os caminhos do amor,
só amor sabe trilhá-los.


Tão ralo prazer te dei,
nenhum, talvez. . . ou senão,
esperança de prazer,
é, pode ser que te desse
a neutra satisfação
de alguém sentir que seu filho,
de tão inútil, seria
sequer um sujeito ruim.
Não sou um sujeito ruim.
Descansa, se o suspeitavas,
mas não sou lá essas coisas.


Alguns afetos recortam
o meu coração chateado.
Se me chateio? Demais.
Esse é meu mal. Não herdei
de ti essa balda {inutilidade}. Bem,
não me olhes tão longo tempo,
que há muitos há ver ainda.


Há oito. E todos minúsculos,
todos frustrados. Que flora
mais triste fomos achar
para ornamento de mesa!
Qual nada. De tão remotos,
de tão puros e esquecidos
no chão que suga e transforma,
são anjos. Que luminosos;
que raios de amor radiam,
e em meio a vagos cristais,
o cristal deles retine,
reverbera a própria sombra.
São anjos que se dignaram
participar do banquete,
alisar o tamborete,
viver vida de menino.
São anjos. E mal sabias
que um mortal devolve a Deus
algo de sua divina
substância aérea e sensível,
se tem um filho e se o perde.
Conta: quatorze na mesa.


Ou trinta? serão cinquenta,
que sei? se chegam mais outros,
uma carne cada dia
multiplicada, cruzada
a outras carnes de amor.
São cinquenta pecadores,
se pecado é ter nascido
e provar, entre pecados,
os que nos foram legados.
A procissão de teus netos,
alongando-se em bisnetos,
veio pedir tua bênção
e comer de teu jantar.


Repara um pouquinho nesta,
no queixo, no olhar, no gesto,
e na consciência profunda
e na graça menineira,
e dize, depois de tudo,
se não é, entre meus erros,
uma imprevista verdade.
Esta é minha explicação,
meu verso melhor ou único,
meu tudo enchendo meu nada.

Agora a mesa repleta
está maior do que a casa.
Falamos de boca cheia,
xingamo-nos mutuamente,
rimos, ai, de arrebentar,
esquecemos o respeito
terrível, inibidor,
e toda a alegria nossa,
ressecada em tantos negros
bródios comemorativos
(não convém lembrar agora),
os gestos acumulados
de efusão fraterna, atados
(não convém lembrar agora),
as fina-e-meigas palavras
que ditas naquele tempo ,
teriam mudado a vida
(não convém mudar agora),
vem tudo à mesa e se espalha
qual inédita vitualha.

{vasilha para a alimentação}.

Ó que ceia mais celeste
e que gozo mais do chão!
Quem preparou? que inconteste
vocação de sacrifício
pôs a mesa, teve os filhos?
quem se apagou? quem pagou
a pena deste trabalho?
Quem foi a mão invisível
que traçou este arabesco
de flor em torno ao pudim,
como se traça uma auréola?
quem tem auréola? quem não
a tem, pois que, sendo de ouro,
cuida logo em reparti-la,
e se pensa melhor faz?


Quem senta do lado esquerdo,
assim curvada? {Mãe} que branca,
mas que branca mais que branca
tarja de cabelos brancos
retira a cor das laranjas,
anula o pó do café,
cassa o brilho aos serafins?
quem é toda luz e é branca?
Decerto não pressentias
como o branco pode ser
uma tinta mais diversa
da mesma brancura. . . Alvura
elaborada na ausência
de ti, mas ficou perfeita,
concreta, fria, lunar.


Como pode nossa festa
ser de um só que não de dois?
Os dois ora estais reunidos
numa aliança bem maior
que o simples elo da terra.
Estais juntos nesta mesa
de madeira mais de lei
que qualquer lei da república.
Estais acima de nós,
acima deste jantar
para o qual vos convocamos
por muito — enfim — vos querermos
e, amando, nos iludirmos
junto da mesa
vazia.


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LIVRO: A MESA

O poeta Ozório Couto e a artista plástica Yara Tupynambá lançam esta 

semana o livro 

A mesa de Carlos Drummond de Andrade, 

que discorre sobre o poema A mesa, do próprio Drummond, publicado em 

1951 em uma 

de suas mais importantes obras, Claro enigma.


No livro estão impressas seis cartas trocadas entre Drummond e Yara, no 

início da década de 1980,

quando a artista começou a pintar o painel intitulado A mesa,

baseado no poema homônimo 

e com o aval do renomado poeta.


Nas cartas, Drummond diz a Yara:

“Você não poderia causar-me alegria maior do que essa, 

de dar a meus 

versos representação plástica”.


As figuras que compõem o painel contém cenas da vida de Drummond

foram registradas pelo fotógrafo Jomar Bragança.


Ozório Couto, por sua vez, faz um ensaio sobre o poema A mesa,

com estudo detalhado sobre a obra drummondiana.

LIVRE PARA TODOS OS PÚBLICOS. 


Lançamento no dia 16 de maio, às 19h, no Salão Nobre da Câmara dos 

Deputados (Esplanada dos Ministérios). Entrada franca.


http://cerradomix.maiscomunidade.com/conteudo/noticias/8203/A+MES

A+DE+CARLOS+DRUMMOND+DE+ANDRADE.pnhtml

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A poética do tempo/espaço em "A mesa";

The poetics of time/space in "The table";


Izidoro Blikstein*
Universidade de São Paulo
Fundação Getulio Vargas de São Paulo



RESUMO
O poema "A mesa";, numa primeira leitura, consistiria na fala de um filho dirigida a seu pai: lançando a hipótese de uma festa em homenagem ao pai, o filho passa a descrever como seria esse "grande jantar";. Mas, evidentemente, o Poeta vai muito além da mera descrição. Com efeito, ao reunir a família inteira – os mortos e os vivos – as dimensões temporais e espaciais acabam por se fundir: passado e presente se condensam num mesmo espaço e objeto, a mesa. Cabe indagar, afinal de contas: 1. Como é esse fazer poético do ubíquo e do icônico? 2. Com que mecanismo e instrumentos linguísticos o Poeta constrói essa reunião de vivos e mortos em tomo da mesa, num só tempo e espaço? 3. Por que reunir a família toda e o que busca o Poeta nesse percurso em volta da mesa? Nosso propósito, neste artigo, é responder essas perguntas.
Palavras-chave: Semiótica, Dêixis, Anáfora, Condensação, Corredor isotópico.

ABSTRACT
The poem "The table";, on a first reading, would consist in the speech of a son addressed to his father: introducing the hypothesis of a party to honor his father, the son begins to describe what this "great dinner"; might be. But it is evident that the Poet goes far beyond a mere description. Indeed, by bringing together the whole family – the dead and alive ones – the temporal and spatial dimensions end up merging: past and present are condensed in a single space and object, the table. It is worth asking, after all: 1. How is this poetics of the ubiquitous and iconic? 2. Through what mechanism and linguistic tools does the Poet build this meeting between the living and dead ones around the table, at a single time and space? 3. Why gathering the whole family and what does the Poet seek in this path around the table? Our purpose, in this paper, is to answer these questions.
Keywords: Semiotics, Deixis, Anaphora, Condensation, Isotopic corridor.



[...] que inconteste
vocação de sacrifício
pôs a mesa, teve os filhos?
(Drummond de Andrade, "A mesa";)

O poema "A mesa";, à primeira vista, nada mais seria do que a fala de um filho dirigida ao pai: lançando a hipótese de uma festa em homenagem ao pai, o filho passa a lhe narrar e descrever como seria esse "grande jantar mineiro";, com a presença da família inteira.
Mas... é evidente que Carlos Drummond de Andrade vai muito além da mera descrição de uma festa: a montagem de "A mesa"; ilustra um fazer poético em que a língua é utilizada na plenitude de suas funções, como a "grande matriz semiótica";, "interpretantes dos outros sistemas de significação"; (Benveniste, 1974, p. 63).
Com efeito, ao reunir a família inteira – mortos e vivos – para um hipotético "jantar mineiro"; oferecido ao pai, Carlos Drummond de Andrade supera a tal ponto as clássicas dicotomias linearidade × iconicidade e sincronia × diacronia que as dimensões temporais e espaciais acabam por se fundir: passado e presente se condensam num mesmo espaço e num mesmo objeto, a mesa, que, de início, aparentemente, está vazia. Mas... não tão vazia como parece. Ocorre que o "jantar mineiro"; deixa de ser hipotético e vira "realidade";; então, circulando em torno da mesa, como um hábil operador de câmera cinematográfica, o Poeta vai, num vertiginoso e alucinantetraveling, recuperando, um a um, os membros da família, por meio de sucessivos closes.
Subitamente, graças a uma poética da iconicidade e da ubiquidade, todos estão presentes, vivos e ruidosos, em torno da mesa que, "repleta"; e "maior do que a casa";, vai-se tornando objeto de vida, na medida em que constitui o espaço de presentificação da família. Mas... cabe indagar, afinal de contas:
1 – Como é esse fazer poético do ubíquo e do icônico? Com que mecanismo e instrumentos linguísticos o Poeta vai construindo essa reunião de vivos e mortos em torno da mesa, num só tempo e num só espaço?
2 – Por que reunir a família toda e o que busca o Poeta nesse percurso em volta da mesa?

1. Mecanismo e instrumentos linguísticos do fazer poético
O "jantar mineiro"; em torno da mesa vai sendo tecido por um rápido e quase instantâneo mecanismo de vaivém entre instrumentos anafóricos e dêiticos.
A anáfora, sabemos, remete a um pressuposto, a um texto ou enunciado já conhecido do emissor e do receptor da mensagem; no momento do discurso, instrumentos anafóricos resgatam o passado e instalam o eixo da anterioridade. Já os instrumentos dêiticos são os embreantes espaçotemporais que, no momento do discurso, possibilitam a presentificação, a atualização ou a concomitância de quaisquer elementos na situação discursiva:pessoas (gestos, movimentos, postura, posição no espaço, ou melhor, aspectos cinésicos e proxêmicos), objetos(formas, posição, movimento etc.), contextos e atmosferas psicológicas etc.; com os dêiticos é que se estabelece no discurso o eixo do presente, do aqui e do agora.
Cabe lembrar ainda que, como processos bem abrangentes da sintaxe discursiva, anáfora e dêixis não se restringem apenas à categoria pronominal, mas se apoiam num conjunto de categorias linguísticas concatenadas entre si: pronomes, verbos, advérbios, conjunções, interjeições etc.
Pois é como o arranjo sutil desses instrumentos que o Poeta vai misturando passado e presente, ausência e presença, real e irreal, num universo ubíquo e ambíguo, em que as pessoas estão e, ao mesmo tempo, não estão.
Assim é que, embora o pai já esteja morto e o filho permaneça sozinho à volta da mesa vazia, a "conversa"; entre ambos se passa num aqui/agora, isto é, ela é presente, atual e concomitante à própria leitura do poema. Essadeiticidade é produzida pela reiteração, ao longo do poema, de formas verbais e pronominais de 2ª pessoa, pelo uso de interjeições e vocativos e, sobretudo, pelo emprego de formas verbais cujo aspecto é imperfectivo, ou não acabado (imperfeito, futuro do pretérito):
Ai, velho, ouvirias coisas
de arrepiar teus noventa.
E daí, não te assustávamos,
Vejamos como as combinações e "colisões"; entre os instrumentos dêiticos e anafóricos vão produzindo esses movimentos ambíguos de fluxo e reflexo de passado/presente, ausência/presença, real/irreal.
A – É logo nos primeiros três versos que se instaura a ambiguidade dêitico-anafórica:
E não gostavas de festa...
Ó velho, que festa grande
Hoje te faria a gente.
A hipótese de uma festa a ser oferecida ao pai esbarra em dois entraves a que o 1º verso remete, anaforicamente:


Tais pressupostos são resgatados pelo predicado não gostavas de festa, cujo tempo verbal – o imperfeito – situa o fato no passado. Mas, e aí começa a instaurar-se a ambiguidade espaçotemporal, o imperfeito, como o próprio nome indica, é o tempo da ação ou estado não acabados, vale dizer, uma ação ou estado que estão ocorrendo no passado. Por outro lado, sendo uma forma verbal de 2ª pessoa, gostavas indica um fato no presente: o filho está dirigindo a palavra ao pai. O melhor indício desse cruzamento dêitico-anafórico é a conjunção E, primeira palavra do poema: a forma e, em primeira instância, tem valor anafórico, na medida em que remete a um enunciado anterior ao momento da "conversa";; o mesmo e, contudo, enquanto faz o leitor voltar a esse pressuposto, funciona também como elo metalinguístico entre o passado e o presente, apontando para a continuação de um discurso que estava acontecendo no passado e que, aqui e agora, está recomeçando. É como se uma conversa, suspensa no tempo e no espaço, estivesse sendo retomada. As reticências colaboram graficamente para esse efeito de suspensão entre passado e presente:


B – Desfeita a suspensão, a pausa, as marcas da dêixis vão-se insinuando nos versos seguintes:
Ó velho, que festa grande
hoje te faria a gente
Nessa passagem, todas as expressões, à exceção de faria, contêm elementos dêiticos, atualizando e indicando, no cenário da "conversa";:


Esse movimento dêitico, entretanto, é reprimido pelo anafórico faria, alusivo a um fato irreal do presente (a festa), ao remeter a um pressuposto, este sim, um fato real já acontecido:


E vai-se instalando uma nova ambiguidade: embora remeta a um fato real do passado/irreal do presente, a forma verbal faria, como futuro do pretérito, pode conotar um desejo, uma hipótese ou uma possibilidade que a realizariam, se certas condições fossem preenchidas; teríamos a seguinte correlação:


Há, pois, um fluxo/refluxo dêitico-anafórico, gerador de um cruzamento passado/presente, real/irreal; o termofaria está ambiguamente situado bem no meio da tensão dêitico-anafórica:


C – A partir da ambiguidade semântica de faria, a hipótese ou, melhor ainda, o desejo de fazer a festa vai-se insinuando como um fato real do presente, reforçado por um jogo sutil de instrumentos linguísticos que, furtivamente, a princípio, e, depois, às claras, produzem um efeito de deiticidade tal que, de repente, nós, leitores, nos encontramos em pleno "jantar mineiro";. É o que se pode verificar no seguinte trecho:
E teus filhos que não bebem
e o que gosta de beber,
em torno da mesa larga,
largavam as tristes dietas,
esqueciam seus fricotes,
e tudo era farra honesta
acabando em confidência.
Ai, velho, ouvirias coisas
de arrepiar teus noventa.
E daí, não te assustávamos,
porque, com riso na boca,
e a nédia galinha, o vinho
português de boa pinta,
e mais o que alguém faria
de mil coisas naturais
e fartamente poria
em mil terrinas da China,
já logo te insinuávamos
que era tudo brincadeira.
Pois sim. Teu olho cansado,
mas afeito a ler no campo
uma lonjura de léguas,
e na lonjura uma rês
perdida no azul azul,
entrava-nos alma adentro
e via essa lama podre
e com pesar nos fitava
e com ira amaldiçoava
e com doçura perdoava
(perdoar é rito de pais,
Quando não seja de amantes).
É, pois, todo nos perdoando,
por dentro te regalavas
de ter filhos assim... Puxa,
grandessíssimos safados,
me saíram bem melhor
que as encomendas. De resto,
filho de peixe... Calavas,
com agudo sobrecenho
interrogavas em ti
uma lembrança saudosa
e não de toda remota
e rindo por dentro e vendo
que lançaras uma ponte
dos passos loucos do avô
à incontinência dos netos,
sabendo que toda carne
aspira à degradação,
mas numa via de fogo
e sob um arco sexual,
tossias. Hem, bem, meninos,
não sejam bobos. Meninos?
Uns marmanjos cinquentões,
calvos, vividos, usados,
mas resguardando no peito
essa alvura de garoto,
essa fuga para o mato,
essa gula defendida
e o desejo muito simples
de pedir à mãe que cosa,
mais do que nossa camisa,
nossa alma frouxa, rasgada...
Ai, grande jantar mineiro
que seria esse... Comíamos,
e comer abria fome,
e comida era pretexto.
E nem mesmo precisávamos
ter apetite, que as coisas
deixavam-se espostejar,
e amanhã é que eram elas.
Nunca desdenhe o tutu.
Vá lá mais um torresminho.
Como se trabalhasse com uma lançadeira de tear que vai e volta, o Poeta vai tramando o tecido entre passado e presente, inserindo aqui e ali, paulatinamente, elementos dêiticos de presentificação. Podemos observar, por exemplo, como as formas verbais do presente passam a conviver com as do imperfeito e do futuro do pretérito, as quais, por sua vez, impregnadas do sentido do presente, passam a funcionar só como imperfectivos, conotando ações e estados que, não acabados, amoldam-se ao eixo ou "corredor isotópico"; (Blikstein, 2009) dapresentidade:



Essa deslocação para o presente vai sendo precipitada por diferentes recursos dêiticos, que atuam como verdadeiros embreantes ou catalisadores espaçotemporais, como, por exemplo:
a) Sintagmas nominais, em que a combinação de determinados e determinantes produz um efeito de "presente"; em espaços, tempos, objetos, estados físicos e psicológicos, aspectos cinésicos e proxêmicos etc.:
• mesa larga
• tristes dietas
• farra honesta
• teus noventa
• a nédia galinha
• o vinho português de boa pinta
• teu olho cansado
• grandessíssimos safados
• marmanjos cinquentões
• alma frouxa, rasgada
b) Reiteração da conjunção copulativa e, de advérbios, interjeições e vocativos, interrogações etc., os quais, ao assinalarem a coloquialidade e a oralidade, reforçam a estrutura "dialógica"; e a concomitância da fala entre filho e pai:
• E teus filhos
• e o que gosta
• e fartamente poria
• e via
• e... fitava
• e... amaldiçoava
• e... perdoava
• e rindo... e vendo
• Ai, velho
• E daí
• Já logo
• Pois sim
• Puxa
• Hem, hem
c) Pausas, comentários e pretensas reprimendas, indicadores da coloquialidade entre pai e filho:
• "perdoar é rito de pais,
quando não seja de amantes";
• "... Puxa,
grandessíssemos safados,
me saíram bem melhor
que as encomendas. De resto,
filho de peixe...";
• "... Hem, hem, meninos?
não sejam bobos...";
• "... Meninos?
Uns marmanjos cinquentões
calvos, vividos, usados,
mas resguardando no peito
essa alvura de garoto...";
Governada pelo eixo da presentidade, a deslocação para o aqui e o agora faz-se como num passe de mágica, pois, quase que sub-repticiamente, o tempo presente se instaura:


A partir dessa transição para o presente, o Poeta nos faz crer que o jantar mineiro está sendo, e não seria. Tempo/espaço, ausência/presença/real/irreal se fundem numa só dimensão. Começa, então, o traveling da ubiquidade. Todos estão.
Com expressões dêiticas, de valor demonstrativo, o Poeta vai focalizando e descrevendo, perante o pai, os membros da família, desenhando-lhes os aspectos proxêmicos e cinésicos em que se evidenciam a postura esquiva, o gesto contido, o afastamento, o silêncio, o envelhecimento, a frustração e, sobretudo, a comunicação e o afeto represados. Vemos:
• a irmã já falecida:
E nem falta a irmã que foi
mais cedo que os outros e era
rosa de nome e nascera
em dia tal como o de hoje
para enfeitar tua data.
Seu nome sabe a camélia,
e sendo uma rosa-amélia,
flor muito mais delicada
que qualquer das rosas-rosa,
viveu bem mais do que o nome,
porém no íntimo claustrava
a rosa esparsa. A teu lado,
vê: recobrou-se-lhe o viço.
• o irmão mais velho:
Aqui sentou-se o mais velho.
Tipo do manso, do sonso,
não servia para padre,
amava casos bandalhos;
depois o tempo fez dele
o que faz de qualquer um;
e à medida que envelhece,
vai estranhamente sendo
retrato teu sem ser tu,
de sorte que se o diviso
de repente, sem anúncio
és tu que me reapareces
noutro velho de sessenta.
• o doutor da família:
Este outro aqui é o doutor,
o bacharel da família,
mas suas letras mais doutas
são as escritas no sangue,
ou sobre a casca das árvores.
Sabe o nome da florzinha
e não esquece o da fruta
mais rara que se prepara
num casamento genético.
Mora nele a nostalgia,
citadino, do ar agreste,
e, camponês, do letrado.
Então vira patriarca.
• o próprio poeta que, proxemicamente, indica o afastamento em relação ao pai, ao se colocar no canto da mesa:
[...] Por exemplo:
ali ao canto da mesa
não por humilde, talvez
por ser o rei dos vaidosos
e se pelar por incômodas
posições de tipo gauche,
ali me vês tu. Que tal?
Fica tranquilo: trabalho.
Afinal, a boa vida
ficou apenas: a vida
(e nem era assim tão boa
e nem se fez muito má).
Pois ele sou eu. Repara:
tenho todos os defeitos
que não farejei em ti,
e nem os tenho que tinhas,
quanto mais as qualidades.
Não importa: sou teu filho
com ser uma negativa
maneira de afirmar.
Lá que brigamos, brigamos
ôpa! que não foi brinquedo,
mas os caminhos do amor,
só amor sabe trilhá-los.
Tão ralo prazer te dei,
nenhum, talvez... ou senão
esperança de prazer,
é, pode ser que te desse
a neutra satisfação
de alguém sentir que seu filho,
de tão inútil, seria
sequer um sujeito ruim.
Não sou um sujeito ruim.
Descansa, se o suspeitavas,
mas não sou lá essas coisas.
Alguns afetos recortam
o meu coração chateado.
Se me chateio? demais.
Esse é meu mal. Não herdei
de ti essa balda. Bem,
não me olhes tão longo tempo,
que há muitos a ver ainda.
• o estoico rebelde:
Mais adiante vês aquele
que de ti herdou a dura
vontade, o duro estoicismo.
Mas, não quis te repetir.
Achou não valer a pena
reproduzir sobre a terra
o que a terra engolirá.
Amou. E ama. E amará.
Só não quer que seu amor
seja uma prisão de dois,
um contrato, entre bocejos
e quatro pés de chinelo.
Feroz a um breve contato,
à segunda vista, seco,
à terceira vista, lhano,
dir-se-ia que ele tem medo
de ser, fatalmente, humano.
Dir-se-ia que ele tem raiva,
mas que mel transcende a raiva,
e que sábios, ardilosos
recursos de se enganar
quando a si mesmo: exercita
uma força que não sabe
chamar-se, apenas, bondade.
• a irmã silenciosa:
Esta calou-se. Não quis
manter com palavras novas
o colóquio subterrâneo
que num sussurro percorre
a gente mais desatada.
Calou-se, não te aborreças.
Se tanto assim a querias,
algo nela ainda te quer,
à maneira atravessada
que é próprio de nosso jeito.
(Não ser feliz tudo explica.)
• os natimortos:
Há oito. E todos minúsculos,
Todos frustrados. Que flora
mais triste fomos achar
para ornamento de mesa!
Qual nada. De tão remotos,
de tão puros e esquecidos
no chão que suga e transforma,
são anjos. Que luminosos!
Se analisarmos bem a sequência, percebemos uma possível contradição: enquanto, de um lado, a presentificação parecia apontar para a euforia ("grande jantar mineiro";), o giro do traveling revela um ambiente disfórico: ausência, frustração, velhice, silêncio, morte. Se assim é, vale justamente indagar: o que busca o Poeta nessa reunião em volta da mesa?

2. O percurso do afeto
A conversa com o pai, a presentificação da família, a realização do jantar mineiro são, na verdade, tributárias de um objeto dêitico, a mesa, que é o grande embreante espaçotemporal no poema. É em torno da mesa que, com a anulação das fronteiras do espaço e do tempo, do passado e do presente, do real e do irreal, a família toda, ubiquamente, se reúne.
E por que tudo acontece em torno da mesa?
A – Aqui é preciso pensar na mesa mineira, enorme, aglutinadora de todos os membros da família. Ela é o espaço onipresente e ubíquo, lugar de bebida e comida, continente e confessionário. Tais conotações podem ser claramente detectadas na primeira ocorrência da palavra mesa:


B – A mesa larga é assim a grande sustentação do eixo da presentidade e da ubiquidade: continente e confessionário, ela é o espaço da satisfação oral, da confidência e da possibilidade de afeto. A partir da mesa larga abre-se, então, o corredor isotópico do prazer oral e da expansão eufórica dos sentimentos. A exposição abundante de alimentos excita e provoca a comunicação:


A relação entre mesa larga  satisfação oral  euforia comunicativa é reiterada pelo próprio Poeta, que, numcrescendo, vai estreitando a tal ponto a relação entre o prazer oral e a expressão do afeto que a mesa passa a ser o espaço do êxtase:
[...] Comer
guarda tamanha importância
que só o prato revele
o melhor, o mais humano
dos seres em sua treva?
Beber é pois tão sagrado
que só bebido meu mano
me desata seu queixume,
abrindo-me sua palma?
Sorver, papar: que comida
mais cheirosa, mais profunda
no seu tronco luso-árabe,
e que a bebida mais santa
que a todos nos une em um
tal centímano glutão,
parlapatão e bonzão!
C – O êxtase, contudo, é truncado pela disforia familiar. Por paradoxal que seja, a tão desejada festa, ao tornar-se real no presente, traz, em torno da mesa, os conteúdos disfóricos revelados pelo traveling: morte, silêncio, tristeza, inibição, afetos contidos. O Poeta procura, em torno da mesa, ou na própria mesa, a chave para o impasse: como desatar "os gestos acumulados de efusão fraterna?";. Ele reconhece que as barreiras são quase intransponíveis, ao remeter, anaforicamente, ao pressuposto de que era difícil a comunicação entre pais e filhos:
Bem sei como são penosos
esses lances de família,
e discutir neste instante
seria matar a festa,
matando-te [...]
D – Mas, pela ação da mesa farta, continente de comida e de gente, a disforia cederá lugar à euforia. É que a exuberância da mesa vai anulando morte, tristeza, silêncio, substituindo-os por vida, alegria, comunicação. Bem ou mal, a mesa vai-se enchendo de comida, de filhos, que se prolongam nos netos, e a ponte de passagem para a euforia é o movimento dêitico em direção à filha do Poeta:
Conta: quatorze na mesa.
Ou trinta? serão cinquenta,
que sei? Se chegam mais outros,
uma carne cada dia
multiplicada, cruzada
a outras carnes de amor.
São cinquenta pecadores,
se pecado é ter nascido
e provar, entre pecados,
os que nos foram legados.
A procissão de teus netos,
alongando-se em bisnetos,
veio pedir tua benção
e comer de teu jantar.
Repara um pouquinho nesta,
no queixo, no olhar, no gesto,
e na consciência profunda
e na graça manineira,
e dize, depois de tudo,
se não é, entre meus erros,
uma imprevista verdade.
Esta é minha explicação,
meu verso melhor ou único,
meu tudo enchendo meu nada.
Restabelecida a euforia, a mesa, com a sua exuberância materna, desafia as proporções do espaço:
Agora a mesa repleta
está maior do que a casa.
E – Estamos próximos de um dos possíveis deciframentos do poema. Anáfora e dêixis cruzem-se numa fronteira ambígua, pois a mesa larga e repleta incita a euforia comunicativa dos filhos, levando-os à explosão alucinatória, apesar de que "as fina-meigas palavras/... ditas naquele tempo/teriam mudado a vida";.
Ao provocar o delírio comunicativo, a mesa se torna justamente o espaço ubíquo do presente/passado, do real/irreal, do prazer oral e da efusão afetuosa, uma vez que as palavras, os gestos, a alegria transformam-se num jorro de comida que se derrama pela mesa toda. Há, por assim dizer, uma condensação do universo disfórico do passado e do universo eufórico do presente. Com a "mesa repleta maior do que a casa";:
Falamos de boca cheia,
xingamo-nos mutuamente,
rimos, ai, de arrebentar,
esquecemos o respeito
terrível, inibidor,
e toda a alegria nossa,
ressecada em tantos negros
bródios comemorativos
(não convém lembrar agora)
os gestos acumulados
de efusão fraterna, atados
(não convém lembrar agora),
as fina-e-meigas palavras
que ditas naquele tempo
teriam mudado a vida
(não convém mudar agora),
vem tudo à mesa e se espalha
qual inédita vitualha.
E a mesa passa a ser também o espaço onde se fundem o prazer espiritual da explosão afetuosa ao prazer físico da satisfação oral:
Oh que ceia mais celeste
e que gozo mais do chão!
F – O que será, enfim, essa mesa mágica, continente, espaço exuberante da festa para a família toda? Não é difícil responder, pois a explicação do poema está na pergunta que faz o Poeta: "Quem preparou?";. Com efeito, quem preparou o "jantar mineiro?";.
mesa, na verdade, é a própria mãe, figura-chave do poema, que já se insinua, meio incógnita, logo no início, indicada pelo advérbio fartamente, conotador da ideia de exuberância:
[...] e mais o que alguém faria
de mil coisas naturais
e fartamente poria
em mil terrinas da China [...]
Exuberante, pródiga e mágica, a mãe é capaz de fazer prodígios de "mil coisas naturais"; e pô-las "em mil terrinas da China";.
Essa capacidade mágica lhe permite socorrer os filhos, transformando a costura em consolo:
Uns marmanjos cinquentões,
Calvos, vividos, usados,
mas resguardando no peito
essa alvura de garoto,
essa fuga para o mato,
essa gula defendida
e o desejo muito simples
de pedir à mãe que cosa,
mais do que nossa camisa,
nossa alma frouxa, rasgada...
Essa mágica transformadora altera esteticamente a própria composição dos pratos e alimentos, de modo a reparti-los entre os filhos:
... quem foi a mão invisível
que traçou este arabesco
de flor em torno ao pudim
como se traça uma auréola?
quem tem auréola? quem não
a tem, pois que sendo de ouro,
cuida logo em reparti-la
[...]
(Quem) retira a cor das laranjas,
anula o pó do café,
cassa o brilho aos serafins?
G – Mesa úlbere, a mãe, com a dupla função de "pôr a mesa"; e ter os filhos"; é a meta do percurso do Poeta. Aqui termina a procura: a mãe é o continente provedor de toda a comida e de todo o afeto. E, mais ainda, é o espaço onde tudo se condensa, mesmo os contrários: prazer/dor, presença/ausência, alegria/ tristeza, real/irreal, estar/não estar, fazer/não fazer, céu/chão. E, sendo o espaço das condensações, a mãe/mesa também funde unidade e dualidade:
Como pode nossa festa
ser de um só que não de dois?
Nesse percurso do afeto, o Poeta acaba por encontrar, na verdade, um "claro enigma";: a festa (o filho) é de um só (o pai) ou de dois (o pai e a mãe)? A dualidade na unidade é algo que o aflige; talvez, por isso, será difícil ver a mãe e, quando a vê, ela está "do lado esquerdo/assim curvada";. De qualquer modo, foi só ao resgatar a figura da mãe que o Poeta resgata, ao mesmo tempo, o afeto represado e perdido no tempo e no espaço. E, aí, vem a contradição final: se a volta em torno da mesa tinha por objeto a mãe-afeto, seria o momento, então, de desmontar o cenário e apagar o jantar mineiro. O fato é que a mesa em que se encontra o pai e a mãe é afeto e é dualidade, enigma arquetípico e indecifrável; tal mesa só pode estar, pois, "acima de nós";.
A chave do enigma não está, infelizmente, na mesa larga, de madeira, que, por hipótese, foi espaço da festa familiar. O percurso do afeto, contraditoriamente, vai levar, à solidão e ao vazio. O Poeta, então, com um recurso dêitico sui generis, desloca o determinante de mesa para um verso abaixo e o transforma em seu próprio determinado (adjetivo vazia = substantivo vazio):
Os dois ora estais reunidos
numa aliança bem maior
que o simples elo da terra.
Estais juntos nesta mesa
de madeira mais de lei
que qualquer lei da república.
Estais acima de nós,
acima deste jantar
para o qual vos convocamos
por muito – enfim – vos queremos
e, amando, nos iludirmos
junto da mesa
vazia.
Pelo exposto, Carlos Drummond de Andrade, a exemplo da mãe/mesa, é mágico e transformador: utiliza a língua, como se disse no início, na plenitude de suas funções; transforma e mistura categorias gramaticais; funde linha de significação ou isotopias, gera ambiguidade e ubiquidade, cruza o espaço e o tempo, cria e destrói universos ("... quem foi a mão invisível/que traçou este arabesco/de flor em torno ao pudim/como se traça uma auréola?";). Poeta, no sentido etimológico do termo, Carlos Drummond de Andrade "fabrica"; realidades. O seu fazer poético permite compreender a afirmação que E. Coseriu (1977, p. 203) faz em defesa da poesia:
[...] a poesia é o lugar do desdobramento, da plenitude
funcional da linguagem...
[...] a poesia não é, como amiúde se diz, um "desvio"; com
relação à linguagem "corrente"; (entendida como o "nomal";
da linguagem); a rigor, é mais exatamente a linguagem
"corrente"; que representa um desvio da totalidade da
linguagem como tal,
que coincide com a linguagem da poesia.

Referências
Bachelard, G. La poétique de l'espace. Paris: P.U.F., 1957.
Benveniste, E. (1974). Problèmes de linguistique générale (Vol. 2). Paris: Gallimard.
Blikstein, I. (2009). KasparHauser ou A fabricação da realidade (11a ed.). São Paulo: Cultrix.
Buyssens, E. Semiologia e Comunicação Linguística. São Paulo: Cultrix, 1972.
Chandler, D. Semiotics: The Basics. New York: Routledge, 2002.
Coseriu, E. (1977). El hombre y su lenguaje. Madrid: Gredos.
Ducrot, O. Dire et ne pas dire. Paris: Hermann, 1972.
Hagège, Cl. L´homme de paroles. Paris: Fayard, 1985.
Salomon, J. The signs of our time. Los Angeles: Tarcher, 1988.
Smart, J. J. C. Problems of Space and Time. New York: Macmillan, 1976.


Endereço para correspondência
Izidoro Blikstein
Rua Padre João Manuel, 774/161
01411-000 – São Paulo – SP
tel.: 11 3085-7653 / 11 9154-1067
E-mail: izidoro@blikstein.com
Recebido: 13/10/2011
Aceito: 28/10/2011


* Professor titular de Linguística e Semiótica na Universidade de São Paulo. Professor de Comunicação na Fundação Getulio Vargas de São Paulo.

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S0101-31062011000200015&script=sci_arttext

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Drummond (1902-1987)

Por: Josiane Müller
Resumo
Este estudo consiste na obra do poeta Carlos Drummond de Andrade. Segundo Afrânio Coutinho, desde 1930, quando estreou em livro, a figura de Drummond não parou de crescer, projetando-se na literatura de seu país como das maiores da poesia lírica brasileira. Um poeta extremamente individual, extraindo do mais íntimo de um ser a nenhum outro similar às notas puras de lirismo, é, por outro lado, por influência de sua circunstância itabirana, das vivências acumuladas na infância bem brasileira, que lhe escorre da alma esse canto, identificado com o que de mais alto já produziu a alma de seu povo. Itabira assume, em sua poética, um papel mítico, a representar um corpo de valores tradicionais, que impregnam o caráter brasileiro e que se traduzem em modos de ser típicos e em traços peculiares da fisionomia moral de sua gente. Por isso, hoje, o poeta é reconhecido, no Brasil inteiro, como dos que melhor falam a linguagem de sempre e há de nossos dias. Captador das realidades simples e cotidianas, intérprete do homem comum, este se sente bem próximo de seu universo, a despeito do cunho tão drummoniano desse mundo.
Notas Introdutórias
Tal artigo irá tratar, essencialmente, de Carlos Drummond de Andrade, seguido de análises, detalhados, da obra A rosa do povo e o poema “A flor e a náusea”. 
Em prólogo, a presença do poeta, na literatura brasileira moderna, é das mais importantes, não fosse ele o primeiro escritor a “organizar” e sistematizar as conquistas de 1922, a que estavam ligados poetas que vinham de correntes tradicionais. Drummond foi o nosso primeiro poeta a entrar “puro” na fase nova, e a inaugura exatamente em 1930, com Alguma poesia, etapa que seria uma espécie de “segundo tempo” do modernismo brasileiro, com a revitalização também da prosa. Em A rosa do povo (1945) testemunha sua reação ante a dor coletiva e a miséria do mundo moderno, com seu mecanismo, seu materialismo, sua falta de humanidade. 
Cinqüenta e cinco poemas compõem a obra "A Rosa do Povo", que foi criada por Carlos Drummond de Andrade entre os anos de 1943 e 1945. É o mais longo de seus livros de poemas. (E o próprio título do poema tem uma simbologia: uma rosa nasce para o povo, será a poesia para o coletivo? Para tentar saber, precisamos ler o poema "A flor e a náusea"). 
Nessa época, o mundo vivia o horror da Segunda Guerra Mundial, e Drummond, que nunca fora alheio a questões ideológicas ou humanas, aos sofrimentos ou à dor dos seres na cidade ou no campo, escreveu neste livro (ao lado de outros diversos temas) sua indignação e tristeza melancólica com o mundo, com a violência e com a necessidade de se ter uma ideologia.
A Biografia Drummoniana
Nasceu em Itabira (MG) em 1902. Fez os estudos secundários em Belo Horizonte, num colégio interno, onde permaneceu até que um período de doença levou-o de novo para Itabira. Voltou para outro internato, desta vez em Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro. Pouco ficaria nessa escola: acusado de “insubordinação mental” – sabe-se lá o que poderia ser isso! -, foi expulso do colégio. Em 1921 começou a colaborar com o Diário de Minas. Em 1925, diplomou-se em farmácia, profissão pela qual demonstrou pouco interesse. Nessa época, já redator do Diário de Minas, tinha contacto com os modernistas de São Paulo. Na Revista Antropofagia publicou, em 1928, o poema “No meio do caminho”, que provocaria muito comentário.
No meio do caminho tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
tinha uma pedra 
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento 
na vida de minhas retinas tão fatigadas. 
Nunca me esquecerei que no meio do caminho 
tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
no meio do caminho tinha uma pedra.
Ingressou no funcionalismo público e em 1934 mudou-se para o Rio de Janeiro. Em agosto de 1987 morreu-lhe a única filha, Julieta. Doze dias depois, o poeta faleceu. Tinha publicado vários livros de poesia e obras em prosa – principalmente crônica. Em vida, já era consagrado como o maior poeta brasileiro de todos os tempos. 
O nome de Drummond está associado ao que se fez de melhor na poesia brasileira. Pela grandiosidade e pela qualidade, sua obra não permite qualquer tipo de análise esquemática. Para compreender e, sobretudo, sentir a obra desse escritor, o melhor caminho é ler o maior número possível de seus poemas. Por isso, limitando-nos a apresentar alguns aspectos da poesia de Drummond. Cada um deles, embora predomine num ou noutro livro, encontra-se disperso pela obra do poeta. Os poemas estão numerados, para facilitar a localização quando for objeto de exercícios.
a) O cotidiano
De acontecimentos banais, corriqueiros, gestos ou paisagens simples, o eu – lírico extrai poesia. Nesse caso enquadram-se poemas longos, como “O caso do vestido” e “O desaparecimento de Luísa Porto”, e poemas curtos, como este:
1. Construção
Um grito pula no ar como foguete. 
Vem da paisagem de barro úmido, caliça e andaimes hirtos. 
O sol cai sobre as coisas em placa fervendo. 
O sorveteiro corta a rua.
E o vento brinca nos bigodes do construtor.
Às vezes, no registro desse cotidiano predomina o humor e a ironia: o poema-piada, herança da primeira fase modernista, não é raro.
2. Cidadezinha qualquer 
Casas entre bananeiras 
Mulheres entre laranjeiras 
Pomar amor cantar.
Um homem vai devagar. 
Um cachorro vai devagar. 
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham. 
Eta vida besta, meu Deus.
Esse tipo de poesia é comum nas duas primeiras obras de Drummond: Alguma poesia e Brejo das almas. Mas, veja bem: não aparece apenas nestas obras nem esse é o tema exclusivo dos dois primeiros livros.
b) O aspecto gauche
O primeiro poema de Alguma poesia é o conhecido “Poema de sete faces”, do qual transcrevemos a primeira estrofe:
3. Quando nasci, um anjo torto 
desses que vivem na sombra 
disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.
A palavra gauche (lê-se gôx), de origem francesa, corresponde a “esquerdo” em nosso idioma. Em sentido figurado, o termo pode significar “acanhado”, “inepto”. Qualifica o ser às avessas, o “torto”, aquele que está à margem da realidade circundante e que com ela não consegue se comunicar. É assim que o poeta se vê. Logicamente, nesta condição, estabelece-se um conflito: “eu” do poeta X realidade. Na superação desse conflito, entra a poesia, um veículo possível de comunicação entre a realidade interior do poeta e a realidade exterior. 
Variantes da palavra gauche – como esquerdo, torto, canhestro – aparecem por toda a obra de Drummond, revelando sempre a oposição eu - lírico X realidade externa, que se resolverá de diferentes maneiras.


c) A preocupação social e política 
Muitos poemas de Drummond funcionam como denúncia da opressão que marcou o período da Segunda Grande Guerra. A temática social, resultante de uma visão dolorosa e penetrante da realidade, predomina em Sentimento do mundo (1940) e A rosa do povo (1945), obras que não fogem a uma tendência observável em todo o mundo, na época: a literatura comprometida com a denúncia da ascensão do nazi-fascismo.
4. Congresso internacional do medo Provisoriamente não cantaremos o amor, 
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos. 
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços, 
não cantaremos o ódio porque esse não existe, 
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro, 
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos, 
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas 
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas, 
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte, 
depois morreremos de medo 
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas. 

A consciência do tenso momento histórico produz a indagação filosófica sobre o sentido da vida, pergunta para a qual o poeta só encontra uma resposta pessimista. É o que se observa num de seus mais conhecidos poemas, em que dialoga com um José sem sobrenome, sem origem definida, que perdeu tudo, verdadeiro símbolo do homem colocado num beco sem saída.
5. José
E agora, José? 
A festa acabou, 
a luz apagou, 
o povo sumiu, 
a noite esfriou, 
e agora, José? 
e agora, você? 
você que é sem nome, 
que zomba dos outros, 
você que faz versos, 
que ama, protesta? 
e agora, José?
Está sem mulher, 
está sem discurso, 
está sem carinho, 
já não pode beber, 
já não pode fumar, 
cuspir já não pode, 
a noite esfriou, 
o dia não veio, 
o bonde não veio, 
o riso não veio, 
não veio a utopia 
e tudo acabou 
e tudo fugiu 
e tudo mofou, 
e agora, José?
E agora, José? 
Sua doce palavra, 
seu instante de febre, 
sua gula e jejum, 
sua biblioteca, 
sua lavra de ouro, 
seu terno de vidro, 
sua incoerência, 
seu ódio – e agora?
Com a chave na mão 
quer abrir a porta, 
não existe porta; 
quer morrer no mar, 
mas o mar secou; 
quer ir para Minas, 
Minas não há mais. 
José, e agora?
Se você gritasse, 
se você gemesse, 
se você tocasse 
a valsa vienense, 
se você dormisse, 
se você cansasse, 
se você morresse... 
Mas você não morre, 
você é duro, José!
Sozinho no escuro 
qual bicho-do-mato, 
sem teogonia, 
sem parede nua 
para se encostar, 
sem cavalo preto 
que fuja a galope, 
você marcha, José! 
José, para onde?

Mas, nesse mundo de valores em ruína, resta a solidariedade:
6. Mãos dadas 
Não serei o poeta de um caduco. 
Também não cantarei o mundo futuro. 
Estou preso à vida e olho meus companheiros. 
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. 
Entre eles, considero a enorme realidade. 
O presente é tão grande, não nos afastemos. 
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. 

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, 
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, 
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, 
não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins. 
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, 
a vida presente. 

d) Reminiscências
O passado ressurge muitas vezes na poesia de Drummond e sempre como antítese para uma realidade presente. A terra natal – Itabira – transforma-se então no símbolo da atmosfera cultural e afetiva vivida pelo poeta. Nos primeiros livros, a ironia predominava na observação desse passado; mais tarde, o que vale são as impressões gravadas na memória. Transformar essas impressões em poemas significa reinterpretar o passado com novos olhos. O tom agora é afetuoso, não mais irônico:
7. Confidência do itabirano 
Alguns anos vivi em Itabira. 
Principalmente nasci em Itabira. 
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. 
Noventa por cento de ferro nas calçadas. 
Oitenta por cento de ferro nas almas. 
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, 
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes. 
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte, 
é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço: 
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil; 
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval; 
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas; 
este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas. 
Hoje sou funcionário público. 
Itabira é apenas uma fotografia na parede. 
Mas como dói!
Ou ainda num poema mais recente, do qual transcrevemos a primeira estrofe:
8) Canção de Itabira
Mesmo a essa altura do tempo, 
um tempo que já se estira, 
continua em mim ressoando 
uma canção de Itabira.
Assim como a cidade, os vultos familiares povoam essas lembranças. Leia um trecho do longo poema “A mesa”, em que o poeta imagina uma reunião da família presidida pelo pai:
9. A mesa
E não gostavas de festa... 
Ó velho, que festa grande 
hoje te faria a gente. 
E teus filhos que não bebem 
e o que gosta de beber, 
em torno da mesa larga, 
largavam as tristes dietas, 
esqueciam seus fricotes, 
e tudo era farra honesta 
acabando em confidência.
Nesses poemas de reminiscências familiares, o eu - lírico não se deixa levar pelo simples saudosismo ou pelo sentimentalismo romântico. Predomina neles a atitude de reflexão.
e) A metafísica ou transcendência
Da análise de sua experiência individual, da convivência com outros homens e do momento histórico, resulta a constatação de que o ser humano luta sempre para sair do isolamento, da solidão. Nesse contexto, questiona-se a existência de Deus.
10. Rifoneiro divino
Responde, por favor: Deus é quem sabe? 
Sabe Deus o que faz? 
Deus dá o pão, não amassa a farinha? 
Deus o dá, Deus o leva? 
Pertence-lhe o futuro? 
Deus te dá saúde? Deus ajuda 
a quem cedo madruga? 
Será que Deus não dorme? 
E é Deus por todos, cada um por si? 
Deus consente, mas nem sempre? Deus 
perdoa, Deus castiga? 
Deus me livra ou salva? 
Deus vê o que o Diabo esconde? 
De hora em hora Deus melhora? 
Mas é se Deus quiser? 
E Deus quer? 
Deus está em nós? E nós, 
responde, estamos nele?
f) O amor
Nos primeiros livros, o tema merece tratamento irônico:
11. Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo 
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili 
que não amava ninguém. 
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, 
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, 
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes 
que não tinha entrado na história.
Mais tarde, o poeta procura capturar a essência desse sentimento e só encontra – como Camões e outros – as contradições, que se revelam no antagonismo entre o definitivo e o passageiro, o prazer e a dor. No entanto, essas contradições não destituem o amor de sua condição de sentimento maior. A ausência do amor é a negação da própria vida.
12. Amar
Que pode uma criatura senão, 
entre criaturas, amar? 
amar e esquecer, 
amar e malamar, 
amar, desamar, amar? 
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso, 
sozinho, em rotação universal, senão 
rodar também, e amar? 
amar o que o mar traz à praia, 
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha, 
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto, 
o que é entrega ou adoração expectante, 
e amar o inóspito, o áspero, 
um vaso se flor, um chão de ferro, 
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta, 
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, 
doação ilimitada a uma completa ingratidão, 
e na concha vazia do amor a procura medrosa, 
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa 
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
O amo-desejo, paixão, vai aparecer com mais freqüência nos últimos livros.
13. Pintor de mulher
Este pintor 
sabe o corpo feminino e seus possíveis 
de linha e de volume reinventados. 
Sabe a melodia do corpo em variações entrecruzadas. 
Lê o código do corpo, de A ao infinito 
dos signos e das curvas que dão vontade de morrer 
de santo orgasmo e de beleza.
Depois da morte de Drummond, reuniu-se no livro O amor natural uma série de poemas eróticos mantidos em sigilo e que foram associados a um suposto caso extraconjugal mantido pelo poeta. Verdadeiro ou não o caso, interessa é que se trata de poemas bem audaciosos, em que se explora o aspecto físico do amor. Alguns verão pornografia nestes poemas; outros, o erotismo transformado em linguagem da melhor qualidade poética.
14. Amor – pois que é palavra essencial 
comece esta canção e toda a envolva. 
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia, 
reúna alma de desejo, membro e vulva.
Quem ousará dizer que ele é só a alma? 
Quem não sente no corpo a alma expandir-se 
até desabrochar em puro grito 
de orgasmo, num instante de infinito?
O corpo noutro corpo entrelaçado, 
fundido, dissolvido, volta à origem 
dos seres, que Platão viu contemplados: 
é um, perfeito em dois; são dois em um.
g) Metalinguagem: a poesia torna-se assunto do poema
A reflexão sobre o ato de escrever fez parte das preocupações do poeta. Poemas inteiros ou fragmentos de poema ajudam a entender sua concepção de poesia.
15. Procura da poesia
Penetra surdamente no reino das palavras. 
Lá estão os poemas que esperam ser escritos. 
Estão paralisados, mas não há desespero, 
há calma e frescura na superfície intata. 
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Chega mais perto e contempla as palavras. 
Cada uma 
Tem mil faces secretas sob a face neutra 
e te pergunta, sem interesse pela resposta, 
pobre ou terrível, que lhe deres: 
Trouxeste a chave?
16. Poesia
Gastei um hora pensando um verso 
que a pena não quer escrever. 
No entanto ele está cá dentro 
inquieto, vivo. 
Ele está cá dentro 
e não quer sair. 
Mas a poesia deste momento 
inunda minha vida inteira.
h) O tempo
Esse é um dos aspectos que concede unidade à poesia de Drummond: o tempo passado, o presente e o futuro como tema. 
Toda a trajetória do poeta – qualquer que seja o assunto tratado – marca-se por uma tentativa de conhecer-se a si mesmo e aos outros homens, através da volta ao passado, da adesão ao presente e da projeção num futuro possível. 
O passado, conforme vimos, renasce nas reminiscências da infância, da adolescência e da terra natal. A adesão ao presente concretiza-se quando o poeta se compromete com a sua realidade histórica (poesia social). O tempo futuro aparece na expectativa de um mundo melhor, resultante da cooperação entre os homens.
17. Mundo grande 
Meus amigos foram às ilhas. 
Ilhas perdem o homem. 
Entretanto alguns se salvaram e 
trouxeram a notícia 
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias, 
entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer. 
Entre o amor e o fogo, 
entre a vida e o fogo, 
meu coração cresce dez metros e explode. 
- Ó vida futura! Nós te criaremos.
Carlos Drummond de Andrade, segundo Alfredo Bosi /... O primeiro grande poeta que se afirmou depois das estréias modernistas foi Carlos Drummond de Andrade. Definindo-lhe lucidamente o caráter, disse Otto Maria Carpeaux da sua obra que “expressão duma alma muito pessoal, é poesia objetiva”. Parece-me que “alma muito pessoal” significa, no caso, a aguda percepção de um intervalo entre as convenções e a realidade; aquele hiato entre o parecer e o ser dos homens e dos fatos que acaba virando matéria privilegiada do humor, traço constante na poesia de Drummond. A prática do distanciamento abriu ao poeta mineiro as portas de uma expressão que remete ora a um arsenal concretíssimo de coisas, ora à atividade lúdica da razão, solta, entregue a si mesma, armando e desarmando dúvidas, mais amiga de negar e abolir que de construir:
e a poesia mais rica 
é um sinal de menos. 
Usando dessa visão crítica para complementar o conhecimento sob Drummond.
Aspecto Analisado: A Rosa do Povo
O principal acontecimento poético do ano de poesia 1945 foi sem dúvida a publicação de A rosa do povo, do Drummond. Vendo um conteúdo dramático que não decorre só da qualidade da poesia em si mesma, mas também dos seus elementos de contradição, fazendo crescer assim o ritmo da dramaticidade, no espetáculo de um poeta que procura equilibrar e fundir artisticamente duas tendências que o apaixonam numa época de agitações e divisões extremas, bem difíceis para os anseios de equilíbrio e paz.
Este livro revela o drama de um autêntico revolucionário que quer permanecer ao mesmo tempo fiel às exigências da sua arte; de um ser humano que deseja identificar-se com os problemas populares sem o abandono de sua personalidade artística que é de caráter aristocrático. Drummond é aquele que transfigura o sentimento de inconformismo e revolta para que possa comover as chamadas elites intelectuais.
a) Política e poesia
Por isso, os estudiosos dizem que este talvez seja o livro mais "politizado" do poema mineiro. Esta obra, na verdade, funde as idéias sociais que estão em outros dois livros ("José" e "Sentimento do Mundo"). Drummond acrescenta ao tema social seu desencanto, seu pessimismo. Sabia da Guerra; morava no Rio e via como Brasil ansiava por sair do Estado Novo e queria um regime democrático.
Todas essas questões, é claro, intervieram nas criações. E, em muitos de seus poemas deste livro, Drummond confessa a impotência da poesia só para criar beleza. Havia um inconformismo dos artistas com a crueldade que se via no mundo era geral,e uma pergunta que o mineiro Drummond nunca deixou de se fazer: para que serve a poesia? No poema "Carta a Stalingrado”, (os russos tinha derrotado os alemães...) diz Drummond que a poesia foi parar nos jornais:
“Stalingrado... 
Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades! 
O mundo não acabou, pois que entre as ruínas 
Outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora 
E o hálito selvagem da liberdade dilata seus os peitos (...) 
A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais. 
Os telegramas de Moscou repetem Homero.”
b) A palavra poética
Telegramas são notícias da guerra. Homero é o autor das epopéias "Ilíada" e "Odisséia", poemas épicos e heróicos por excelência. Drummond nos diz de forma tão simples quanto o mundo mudou. A temática engajada política e socialmente está sempre presente no livro. Mas há outra, muito forte: usemos a palavra poética; é claro que, apesar de tudo, devemos fazer poesia, pensa o poeta.
E essa poesia urbana, de um poeta "antenado" deve sair modernista, ou seja, sem que nenhuma tradição a atrapalhe, sem rimas, sem estrofes, sem o cheiro do que é antigo. A força da "palavra poética" (apesar da dúvida sobre sua utilidade) é um dos temas mais caros ao poeta. No primeiro (e mais famoso) poema do livro, "Consideração do poema", o poeta diz:
“Não rimarei a palavra sono 
Com a incorrespondente palavra outono. 
Rimarei com a palavra carne 
Ou qualquer outra, que todas me convêm. 
As palavras não nascem amarradas, 
Elas saltam, se beijam, se dissolvem, 
No céu livre por vezes um desenho, 
São puras, largas, autênticas, indevassáveis. 
Uma pedra no meio do caminho 
Ou apenas um rastro, não importa. 
(...)
c) Participação e desencanto
Predomina no conjunto dos poemas uma dualidade: de um lado devemos participar politicamente da vida; de outro, só é possível ter uma visão triste e desencantada da vida. Seria a esperança contra o pessimismo? As duas coisas, provavelmente, dizem os leitores do poeta. O fato é que, diferentemente do humor de outros livros, nestes poemas CDA tem um tom solene, grave e triste. Vejamos um trecho de outro famoso poema, "Procura da poesia":
“Não faça versos sobre acontecimentos. 
Não há criação nem morte perante a poesia. 
Diante dela, a vida é um sol estático, 
Não aquece nem ilumina. 
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam. (...)”
Ou então, vejamos como o poeta vê a si mesmo no cotidiano da cidade, em outro famoso poema: "A flor e a náusea":
“Preso à minha classe e a algumas roupas, 
vou de branco pela rua cinzenta. 
Melancolias, mercadorias espreitam-me. 
Devo seguir até o enjôo? 
Posso, sem armas, revoltar-me? (...)”
d) Metalinguagem
A poesia sobre a própria poesia (a que chamamos poesia metalingüística) comparece todo o tempo neste livro. Mas há também a virtude de se refletir sobre um passado (romântico), quando o mundo era mais organizado e talvez mais feliz. É o que diz o poeta, quando cria a "Nova canção do exílio", paródia e homenagem a Gonçalves Dias:
“Um sabiá 
Na palmeira, longe. 
Estas aves cantam 
Outro canto.”(...)
O fato é que o poeta, que desde o início de sua poesia dizia "Vai Carlos, se gauche na vida!"(Poema de sete faces, 1922) continua, aos quarenta anos de idade, a sentir-se sozinho, como homem, como poeta. Ele nos diz no poema "América":
“Sou apenas um homem. 
Um homem pequenino à beira de um rio. 
Vejo as aguar que passam e não as compreendo. 
Sei apenas que é noite porque me chamam de casa.”(...)
E como é grande a saudade dos amigos, que CDA sempre celebrou em tantos poemas. Em 1945 morre o grande amigo Mário de Andrade. Drummond lhe dedica o longo poema "Mário de Andrade desce aos infernos", que começa desta maneira:
“Daqui a vinte anos farei teu poema 
e te cantarei com tal suspiro 
que as flores pasmarão, e as abelha,


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